Se preocupa não. Não é você. Sou eu. Não tenho jeito pra esse negocio de amor. Acho lindo as canções que você e eu amamos juntos. Mas na verdade, assim, no tempo duro de um dia depois do outro, o amor toca desafinado pra mim, obrigatório, repetido, música com refrão meloso. Não é você, sou eu. É que eu não tenho muito que dar. Não rendo, não sei telefonar à noite, não sustento conversa sem assunto, diálogos sem tema. Não é você. sou eu.. Vazia, triste, estranha.
Você já viu tanta gente certa de que era amor mesmo, amor no duro, não acaba? E se acaba é porque não era amor? Dá até inveja, né? Eu invejo mesmo essas pessoas. Queria ter a certeza e amor que durassem para sempre. Mas não Comigo ainda não é assim. Meu amor vem e vai. Começa agora, acaba amanhã, volta mais tarde.
Ser de ninguém é meu único jeito de ser alguém. Tomo remédio pro coração e você nem sabia. Sou dessa gente que precisa ser só, mesmo em comunidade, como unidade. Só. E você não queria. O sol que bate agora recende aqui dentro uma saudade dolorida do que já foi e do que sequer aconteceu. Minha cidade perdida, minha casa na infância, uma bicicleta alaranjada que me levava a passear no quarteirão, o carro velho do tio, a mãe que custava a voltar do trabalho, as avós.
Essa saudade, pra mim, é o que mais se parece com o que tanta gente chama de amor. É só o que tenho. E é tão pouquinho que mal dá pra mim sozinha. É um foguinho de palha que eu tento - ah, como eu tento! - alimentar e espalhar e incendiar o quarteirão. Mas não dá. Não deu. Meu amor é pequeno. É uma saudadinha que dói mansa, um fio de água, um cheiro distante, um raio morno de luz patética quase apagando. É muito pouco. Não dá pra dois.
Você merece mais. Muito mais do que isso. Merece amor inteiro, forte, amor de casa grande, segura, quintal da frente, jardins e flores, pés de jabuticaba, caqui, laranja lima, limão galego. Eu tenho nada além dessa barraca de um só, montada na grama aqui e ali, esperando a hora de mudar e partir.
Foi bom. Foi lindo. Você fica além de toda expectativa. Mas eu não dou conta. Preciso ir adiante, abrir o portão e liberar os dragões que vivem cá dentro de mim. Se os deixo por aqui, trancados em casa, uma hora eles terão destruído tudo. Preciso conduzi-los a tempo aberto, aos ares. Pra isso eu preciso de ser só. Não por nada. Não é você lembra? Sou eu. Para dar amor a alguém ai fora eu antes preciso encontrá-lo aqui dentro. E aqui dentro ele se esconde tão bem, tão pequeno, que custo a achar. Vez ou outra eu encontro, mas ele logo se perde de novo, como bolinha de gude debaixo do sofá da sala. Como agora.
Se preocupe não. Não é você. Sou eu. E isso é tudo. agora vai. Vai em frente. Vai ser feliz. Vai porque o mundo é seu. eu, não. eu ainda preciso ser de mim mesma.
Essa alma vazia, triste e estranha.
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